quarta-feira, 6 de julho de 2011

Eros e Psique (Fernando Pessoa)



...E assim vêdes, meu Irmão, que as verdades
que vos foram dadas no Grau de Neófito, e
aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto
Menor, são, ainda que opostas, a mesma verdade. 
                     (Do Ritual Do Grau De Mestre Do Átrio
                        Na Ordem Templária De Portugal) 

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.  


Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.  


A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.  


Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.  


Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.  


E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,  


E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia. 
 
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 Publicado pela primeira vez in Presença, n.os 41-42, Coimbra, maio de 1934. Acerca da epígrafe
que encabeça este poema diz o próprio autor a uma interrogação levantada pelo crítico A. Casais
Monteiro, em carta a este último:

          A citação, epígrafe ao meu poema "Eros e Psique", de um trecho (traduzido, 
     pois o Ritual é em latim) do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de 
     Portugal, indica simplesmente - o que é fato - que me foi permitido folhear os Rituais 
     dos três primeiros graus dessa Ordem, extinta, ou em dormência desde cerca de 
     1888. Se não estivesse em dormência, eu não citaria o trecho do Ritual, pois se não 
     devem citar (indicando a origem) trechos de Rituais que estão em trabalho [In VO/II.]